skip to main | skip to sidebar
Blog sobre a biblioteconomia, bibliotecário, biblioteca, informação, mensagem, usuário, TICs. O nome do blog foi "surrupiado" de um roteiro (para teatro ou cinema) escrito por Paulo de Castro, o maior bibliotecário da terra. E viva Kalímeros!

domingo, 21 de agosto de 2011

Por que boas idéias sobre bibliotecas, na maioria das vezes, não são de bibliotecários


Uma bibliotecária, que foi ao CBBD 2011, me disse que as palestras e apresentações sobre web 2.0, blogs e redes sociais foram muito procuradas no evento. É interessante ver o movimento dos bibliotecários em direção ao uso efetivo das modernas tecnologias da informação no trabalho cotidiano. Essas ferramentas possibilitam a ocupação, pelos bibliotecários, de um amplo campo de trabalho, além de incrementar antigas práticas.

Por outro lado, vejo com tristeza que um espaço amplo, de forte contraste com o cenário acima descrito, foi deixado de lado. Por que abraçar as tecnologias da informação de forma irrestrita e esquecer que há um universo infinito de possibilidades à margem destas inovações? E este espaço é ocupado por pessoas que têm vontade, disposição e talento para atender às comunidades mais distantes dos ambientes institucionais. Porque este é um dos equívocos dos cursos de biblioteconomia atualmente: considerar que informação, necessidades de informação, usuários de informação só existem em contextos institucionalizados.

Então temos que nos render à criatividade de quem, sem passar pela academia, compreendeu claramente que a leitura é uma forma de combate à exclusão e que as bibliotecas são os elos mais fortes entre leitor e livro. Justo as bibliotecas, tão renegadas pelos bibliotecários, que falam com orgulho que trabalham com informação. Sempre achei pretensioso demais este discurso: "trabalho com a informação em qualquer suporte". Isso é verdade, mas esconde uma deficiência de nossa formação: não somos capacitados para trabalhar com a base da biblioteconomia que é a biblioteca. E dois tipos de biblioteca são os mais rejeitados em nossa profissão: a escolar e a comunitária. A primeira por negligência do poder público; a segunda por puro preconceito. E é nesse segundo segmento que surgem idéias maravilhosas, fruto do trabalho de pessoas que passaram longe da formação acadêmica em biblioteconomia (ou de qualquer outra). São pessoas como Otávio Junior, o "Livreiro do alemão", que aprendeu sozinho a importância da leitura e quis compartilhar com o mundo, especialmente seu mundo do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.

Otávio foi tema de matéria na revista Língua Portuguesa (no. 70, agosto de 2011, p.50-51). A matéria abaixo, publicada pela Folha de São Paulo, no Caderno Cotidiano, é inspiradora. E Otávio se vale das TICs para divulgar seu trabalho (no blog Ler é 10 - Leia Favela).

31/07/2011 - 15h57

Livreiro do Alemão cria "barracoteca" na favela


EMILIO SANT'ANNA
DE SÃO PAULO

Enquanto traficantes do Comando Vermelho em fuga trocavam tiros com a polícia e soldados do Exército durante a ocupação dos complexos da Penha e do Alemão, em novembro de 2010, Otávio Júnior, 27, escrevia.

Sem poder sair de casa, finalizava "O Livreiro do Alemão" --seu ingresso no mundo dos escritores-- e preparava-se para instalar a primeira biblioteca do conjunto de 13 favelas na zona norte do Rio com quase 400 mil pessoas.

"Quando os confrontos eram muito acirrados, eu produzia muito. Escrevia enquanto as balas "comiam" para cima e pra baixo."

Biblioteca? Na verdade, trata-se da "Barracoteca Hans Christian Andersen" - corrige Otávio. O nome é uma homenagem ao escritor dinamarquês autor de contos como "A Pequena Sereia" e "A Roupa Nova do Rei".

O local --um antigo salão de forró-- no morro do Caracol, Complexo da Penha, funciona desde maio e será inaugurado oficialmente em 22 de agosto, dia do Folclore.

Parte dos livros é doação do Ministério da Cultura, o resto foi amealhado por Otávio durante os dez anos em que andou por todo o Complexo da Penha e do Alemão, com uma mala na mão, oferecendo livros emprestados aos moradores.

O investimento foi de R$ 7.000. Como não tinha nem a décima parte desse valor, a solução foi apelar a conhecidos e desconhecidos. "Passei o chapéu, mas passei o chapéu virtual", diz.

No blog Ler é 10 - Leia Favela (leredezleiafavela.blogspot.com), o jovem anunciou a barracoteca. Em três meses reuniu a quantia necessária.

Filho de pedreiro, chamou o pai para reformar o local.

Otávio narra em "O Livreiro do Alemão" (Panda Books) como seu amor à literatura se deu quase por acaso. Aos oito anos, saía de casa todo dia para ver as peladas no campo de terra da comunidade.

"Naquele dia, passei em frente a um lixão e havia uma caixa com brinquedos velhos e um livro", conta. "À tarde faltou luz e como não podíamos assistir a televisão preto e branco, lembrei do livro."

IMPACTO

O "impacto da literatura" mudou a vida do menino. A paixão cresceu a ponto de, no ensino médio, desenvolver um hábito: matar aula, tomar um ônibus, andar 20 km e ir para a biblioteca do Museu da República, no centro."Chegava a ler dez livros por dia."

Era então um tempo difícil. A família enfrentava o alcoolismo do pai de Otávio.

"Minha mãe ficou louca quando descobriu. Porém, sabia que eu matava aula mas estava bem acompanhado."

 

0 comentários:

Postar um comentário